Soco Fraco

“Soco fraco, soco fraco pra frente, soco forte em meia lua mais R1. Putaquepariu, eu fiz isso!”
O soco forte foi parar no encosto do sofá que fez um pote de sorvete voar em meia-lua pela sala. Incrivelmente o controle do videogame estava intacto. Até agora.
“O triângulo! Sumiu! Cara, cadê meu botão?”
O desespero subiu às áreas sensíveis do cérebro de Lui do mesmo jeito que um AVC não o faz.
“Calma... Calma, que não deve ter ido longe. Se eu não encontrar o triângulo eu me mato.”
De fato, foi quase o que aconteceu mais tarde. Ah, Lui encontrou o botão.
“Aqui! Você não me escapa mais.”
O botão realmente nunca mais escapou do controle, no qual ficou até degradar mansamente num depósito sanitário bem longe da casa do seu ex-dono. O que escapou foi o elefante de sua mãe com pedacinhos de espelho colados nas costas do alto da estante. Para história poder continuar, o paquiderme suburbano acertou em cheio o cérebro de Lui do mesmo jeito que um AVC o faz.
“Hadouken!”
Bóbi levantou-se instantaneamente. A voz que ouvira soou tão materna em seus ouvidos que ele esqueceu-se da pancada. Segundo seus conhecimentos – patrocinados pela Sony, Gradiente, Windows – estava na Tailândia. Um homem vestido de capitão da marinha dos anos 70 estava imóvel no chão. Um outro, com aparência de lutador estava de quimono branco e faixa vermelha na testa. Caminhava de costas enquanto o cenário mudava para o pôr-do-sol. Nosso protagonista não se conteve.
“Ryuuuuu!! Ryuuuu!”
“Shoryuken!”
Um soco forte, soco forte pra baixo mais soco forte pra frente passou tinindo por Lui.
“Uau! Faz pegando fogo agora!”
“Chega uma idade em que tudo precisa pegar fogo. Acho que você está nela.”
Lui tentou em vão esconder a barba e cabelos grisalhos. Soltou um riso nervoso. Seu herói estava na sua frente. Debochando dele, não podia negar, mas debochando ali na sua frente. Só havia uma coisa a fazer.
“Tem umas dicas?”
“A melhor dica que posso te dar é um soco na cara.”
Lui se assustou ligeiramente com a seriedade do seu ídolo. Deu mais um riso nervoso. Uma borboleta próxima soluçou.
“Cara, eu te vejo todo dia daqui da tela. Você nunca trouxe um salário, uma mulher, um sabor bom de sorvete. A vida não é só videogame e picolé de baunilha. O que importa é a luta.”
“Eu sei, eu li nos créditos.”
Ryu suspirou. Derrotar um gênio do mau com poderes psíquicos parecia mais convidativo, assim como a borboleta se tornou mais interessante para Lui. Mas ele não iria perder a chance.
“Vou falar na sua língua. Tire tua vida do easy, jogue no expert. Aumente aquelas estrelinhas de dificuldade. Diz aí, os créditos não são melhores nas noves estrelas? Solte o seu hadouken. Abra seus olhos.”
Lui realmente abriu seus olhos e a primeira coisa que viu foi o elefante de sua mãe espatifado. Sem hesitar levou-o à Marcenaria do Adão pra consertar. No caminho de volta ele comprou ervilhas, açúcar, Ovomaltine e cumprimentou a moça do caixa. A moça do caixa disse que não tinha moedas de 5 centavos. Lui deixou passar, porque herói que é herói faz outros heróis.

Normal do Rócio